domingo, 9 de novembro de 2008

O medo


Sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mão da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só
estou preparado para o grande isolamento da noite
para o eterno anonimato da morte
mas perdi o medo
a loucura assola-me
preparo a última viagem às Índias imaginadas
disseram-me que só ali se pode descansar da vida
e da morte
perscruto a razão profunda desta viagem
ou talvez seja já a torna-viagem o que vislumbro
e não valha a pena partir porque já estou de volta
sem o saber
hesito em deixar-te escrito mais do que um simples adeus
de qualquer maneira por muito longe que me encontre
se pousares a tua mão sobre a minha testa senti-lo-ei
esse gesto aliviar-me-á de todas as dores
(...)
a cidade está cada vez mais rente à nossa separação
caminhamos em direcções opostas
ou melhor
eu caminho enquanto tu não existes
a noite aproxima-se com seus territórios de sombra e fábula
areias penumbras oscilantes apagando resíduos de corpos
teu corpo minúsculo arrefece dentro de mim
quando as feras despertam nos olhos abandono-me
à lama colorida dos terrenos vagos
dói-me a voz ao chegar aos lábios
os dedos penetram o metal cintilam
conchas abertas ao sonho
onde terei abandonado a nossa paixão?
(...)
abandono-te para além da linha nítida da manhã
onde dizem que tudo existe se transforma e continua vivo
longe
muito longe desta inocente memória das Índias

[Al Berto - O Medo]

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

É assim

..que eu me sinto.